segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Maria vai com as outras

Se ela não ganhasse só o ordenado mínimo nacional (OMN) e mais aqueles trocos, de certeza que andava de fiat punto, fazia a revisão, a inspecção, abastecia de gasolina. E só nisto iam logo quatro empregos: o vendedor, o revisor, o inspector, o caixeiro.

Se ela não ganhasse só os quatrocentos e oitenta e cinco euros mais os tais dos trocos, ia todas as semanas dar um toque ao visual e somam-se a sobrevivência da cabeleireira, da esteticista e da manicure que iam mantendo as assistentes que iam mantendo cada qual mais uma casa de família.

Se ela não ganhasse só o OMN que prometem aumentar prós quinhentos mas não chegam lá…até ia jantar fora com ele sem ser no dia dos anos, uma vez por outra, de quando em quando. Era o homem das hortaliças do mercado, era a cozinheira, o dono do restaurante, o empregado de mesa que ela “ajudava” a garantir.

Se a ela não lhe cortassem agora metade do subsídio, com esses outros 485, punha as contas em dia: pagava parte das propinas do filho, saldava o IMI, mandava fazer os óculos e ainda comprava a prenda à sobrinha. Com o que viesse no Verão haveria de pagar o seguro, abatia a prestação da Cofidis, talvez conseguisse ir ao dentista e, quem sabe, talvez também fosse à praia, um fim-de-semana a Monte Gordo na excursão da Cooperativa.

Aí! Se ela não tivesse que pagar a casa, a aguinha, o gazinho, a luzinha. Aí! Se ela ao menos comesse ar com côdea, vento migado, chuva escalfada, tudo de marca branca. Ai!

Mas diz que ela come todos os dias e mais do que uma vez!

Diz que a vida é dura, que temos que fazer esforços, sacrifícios, empobrecer mesmo. E diz que isto é inevitável, que devemos dar graças a Deus que nos emprestaram dinheiro para pagarmos a dívida, e que ai de nós se não a pagarmos!

Diz que sim!

Diz que sim ou diz que não! Na verdade, a opção é sua! É dela! É nossa!

Se os ordenados mínimos se mantêm nestes mínimos, se o vendedor, o revisor, o inspector, o caixeiro, a cabeleireira, a manicure, as assistentes, se as elas todas deste País não investirem, se não gastarem, não há crescimento económico, não há sequer economia, não há dinheiro a circular, logo há desemprego, logo pouco investimento, logo pouco gasto, logo nenhum crescimento outra vez, logo sobrevivência. Apenas sobrevivência.

E agora se está disponível para se meter na vida dela, na vida deles, na nossa vida, se percebe que da dela depende a sua e da sua depende a dela, então digo-lhe que apesar de mais esse desconto no final do mês, ela vai fazer greve.

E aposto que leva o caixeiro, o homem do talho, o dos legumes, a assistente, a mulher que lhe cobra as propinas, a moça da papelaria onde compra as revistas de crochet, o condutor das Urbanas, o que limpa o lixo do bairro, a senhora dos totolotos, o professor do filho, o vizinho desempregado, o moço que lhe serve os cafés e …………………………aposto que com salários tão baixos, aumentos de bens e serviços e com os cortes anunciados só a greve leva a Maria a ir com as outras no dia 24 de Novembro.

NOTA: Em 2010, meio milhão de portugueses, recebia o rendimento social de inserção. No mesmo ano, cerca de 10,5 por cento dos trabalhadores por conta de outrem, a tempo completo, recebiam o salário mínimo (485€). No final de 2009, 118 mil desempregados recebiam o subsídio social de desemprego (338, 35€).

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